Detesto futebol. Na verdade odeio. Nada contra quem gosta, mas eu, particularmente, não aguento ver ninguém se
digladiando e correndo atrás de uma bola. Não acompanho campeonato de nada nem de
ninguém, seja ele local, nacional, ou mesmo internacional. Às vezes, tento até
fingir que gosto. Não para agradar, mas para ver se me permito contagiar e me
acostumo com a ideia. Em vão! Cinco minutos depois, o papo, ou o jogo, ou ambos,
se tornam insuportáveis.
Hoje pela manhã, acordei cedo para ir ao mercado. Minha mãe
veio passar o fim de semana conosco e fiquei encarregado de preparar o almoço.
Precisava ser uma comidinha leve e que ela comesse bem. Levantei, fui ao
banheiro e olhei as horas. Eram 6h10. Escovei os dentes, coloquei uma bermuda e
abri a gaveta esticando a mão para pegar uma camisa. Sem enxergar direito, peguei a primeira da
fila. A escolha foi uma camisa do Botafogo da Paraíba. Uma camisa que comprei para dar de presente e acabei ficando com ela por motivo de força maior. Não é uma camisa do
padrão do time, mas é estilizada e tem a estrela vermelha - que distingue do
Botafogo do Rio -, ao centro.
A caminho do mercado, parei para abastecer. Desci da moto,
tirei o capacete e fiquei à espera do atendimento. No local já havia alguns
clientes. Não demorou muito e fui cercado por algumas pessoas que tomavam um
cafezinho e conversavam entre si. Na maioria idosos. Um deles olhou para mim e, sorridente, disse: - Eita, logo mais vai ser pau! Disse-me isso com o
entusiasmo necessário de quem tem intimidade e carregava a certeza que suas
palavras me eram absurdamente compreensíveis. Fiz cara de que não entendi nada e, antes
mesmo de dizer alguma coisa, fui questionado, por outro presente, se eu iria ao
campo.
Entendi tudo! A camisa me disfarçara de torcedor do
Botafogo e isso os confundia. Putz!!! Só aí percebi que os caras também trajavam camisas de times
que só invocando os deuses do Olimpo para saber quais eram. Preparei-me para responder, mas já preocupado com a pergunta seguinte, caso ele não se contentasse com minha
resposta. E se a pergunta seguinte fosse difícil
de responder e revelasse o meu disfarce de torcedor? Já com cara de mané, olhei em volta na
esperança de ser salvo pelo funcionário do posto, quando fui bombardeado e
atingido por mais uma pergunta: - Qual a colocação do Botafogo no campeonato
brasileiro, sabe?
Nossa! Isso foi desleal! Senti-me um judeu portando documentação
alemã, falsa, e sendo interrogado por Hitler. Caso vacilasse em minha resposta,
seria mandado para o campo de concentração para morrer numa câmara de gás ou
levar um tiro, ali mesmo, a queima roupa. Pensei: Meu Deus, que coisa mais
constrangedora vestir uma camisa de algo que você detesta: uma bexiga de um
time de futebol. A vontade foi de tirar
a camisa e tocar fogo. Mas apesar da forte pressão do interrogatório resolvi
revidar.
- Senhores: vejam bem! – interrompi o desagradável interrogatório
– Hoje é domingo, dia 16 de agosto de 2015. O país está atolado numa crise
político-econômica. Logo mais milhares de pessoas estarão ocupando as ruas,
manipulados por partidos políticos mesquinhos e mal intencionados, pedindo o
impeachment da presidente Dilma, ou mesmo a volta dos militares ao poder, e
os senhores estão me questionando sobre a atual situação do Botafogo no cenário
nacional?
Pronto. Aquele foi um tiro de canhão e eu nem sabia que
atirava tão bem. Acertou em cheio! Ninguém falou mais nada. Agora eram eles que
estavam fantasiados de brasileiros e precisavam reagir enquanto eu esperava uma
resposta que não veio. O silêncio foi quebrado pelo funcionário do posto que já
com a bomba de gasolina na mão me perguntava. – Quanto?
- Enche a bola! – respondi.