quinta-feira, 6 de fevereiro de 2014

A resistência de Sheherazade





Conta a lenda que Sheherazade resistiu até agora. Quem diria? Depois de todas as suas antecessoras terem fracassado, ela chega até aqui com excelência, resistindo as mil e uma noites de telejornal do SBT. É sem dúvidas um marco, no mínimo, interessante e uma frustração grande para quem achou que depois da primeira noite ela seria degolada. Todo esse tempo, entre suas dramas, aventuras e enigmas, Sheherazade buscou encantar não só a plebe, mas principalmente ao sultão, o seu senhor Silvo Santos, dono do reino do Sistema Brasileiro de Televisão, que desde da primeira noite de núpcias, demostrou-se encantado por suas histórias. Mas parece que a nossa carismática rainha, Sheherazade, anda cansada e os seus contos não estão mais agradando. A plebe reclama, tosse, resmunga e não quer mais ouvi-las. A essa altura, já se escuta-se o amolar da foice do carrasco que a aguada do lado de fora. Parece que dessa vez a nossa Sheherazade não chegará as mil e duas noites.

terça-feira, 4 de fevereiro de 2014

Contato imediato de todos os graus






Acreditar em história de fantasmas ou de lugares mal assombrados sempre foi uma incógnita. Nunca se sabe se o sujeito está falando a verdade ou se sofre de algum distúrbio psicológico: esquizofrenia ou efeito de algum medicamento alucinógeno ingerido. Eu sinceramente não sei. Já ouvi muitas histórias e sempre achei que elas tinham tanto um pingo de verdade quanto um litro de mentira. O que sei na verdade é que passei por uma experiência que me fez sentir a raiz de cada cabelo, que ainda me resta na cabeça, se arrepiar. Sensação única que ainda não tinha sido vivenciada pelo meu eu existencial. Foi incrível! Realmente de meter muito medo.
Tudo aconteceu num sábado. Pela manhã, quando recebi em minha casa a visita de um grande amigo, o Sandres - hoje pastor de uma igreja evangélica. Na época, Sandres era o guitarrista da banda de rock A Função, a qual eu também fazia parte, tocando contrabaixo.  Convidei Sandres para entrar e logo estávamos tomando uns uísques e agarrados aos instrumentos, compondo alguns acordes. Resolvemos ligar para os demais integrantes da banda: Naldinho, o vocalista e Mercinho, baterista, para também participarem da festinha.  Pronto, agora o grupo estava completo. Tudo acontecendo de forma muito espontânea, sem ninguém ter combinado absolutamente nada para aquela manhã.
Lá pelas tantas, resolvemos sair dali, o barulho já incomodava os vizinho e, diga-se lá a dona Celina, minha mãe, que já é uma pessoa da “melhor idade” e merece todo o conforto e respeito que um filho possa lhe proporcionar.  Sandres pegou o seu violão e eu peguei o meu, a garrafa de uísque e alguns petiscos e fomos os quatro na direção da praia. No meio do caminho, Mercinho sugeriu que em vez da praia fôssemos até a granja de um amigo que ficava nas proximidades, segundo ele, lá seria mais tranquilo e poderíamos tocar e compor nossas músicas mais reservadamente.
Dito e feito. Chegamos à granja e, para nossa surpresa, estava havendo uma festa familiar. Resolvemos ir embora, mas fomos muito bem recepcionados e convidados a entrar. Para não incomodar, resolvemos ir lá para os fundos da granja, próximo a um pequeno bosque onde havia uma churrasqueira. Ficamos ali até o final da tarde, até a chegada de seu Milton, o proprietário da granja, que veio nos comunicar que iria dar uma saidinha para levar alguns familiares em suas casas, que voltaria rápido e que poderíamos ficar bem à vontade.
Claro que ficamos! O dia era de muita inspiração e a noite se aproximava. Resolvemos então acender o fogo da churrasqueira que, apesar de não ter nenhuma carne para assar, serviria de luz, de repelente e de elemento fundamental na inspiração das nossas composições. Aquilo era um cenário para um vídeo clip.  
A noite foi chegando e de repente tomou conta de tudo. Se olhássemos numa direção que não fosse ao do fogo, não daria para ver nem o caminho de volta que levava até a casa de seu Milton. Um breu total. Além da luz do fogo, via-se também a longínqua luz fosforescente de um vaga-lume que cortava as árvores do  pequeno bosque. Mas tudo estava ótimo e acontecendo com a maior naturalidade. Para alimentar o fogo, fazíamos revezamento. Como não tínhamos carvão o jeito era pegar lenha mesmo.
Chegou à vez de Mercinho. Ele se levantou e foi até a entrada do bosque onde havia mais lenha, às margens de um pequeno riacho pantanoso. Uns cinco ou seis metros de onde estávamos. Ele trouxe a primeira remessa de lenha, alimentou o fogo e foi buscar mais para deixar como reserva. Nesse momento, a luz fosforescente do pequeno vaga lume, que outrora passeava entre as árvores, ficou maior e aumentou também a velocidade, agora em zigue-zague, como se estivesse incomodado com a nossa presença. Mercinho não viu, mas nós que estávamos sentados percebemos a mudança drástica de comportamento da luz.  Ao retornar para deixar a lenha ao lado da churrasqueira, a luz dispara de lá do bosque na direção de Mercinho como se fosse ataca-lo passando por cima da cabeça dando a impressão que se ele não tivesse se abaixado teria o atingido bem na nuca.
Entramos em pânico na hora e, apesar de não ter visto a cena, Mercinho disse ter ficou chocado com o semblante de pavor estampado em nossos rostos. Agarramos uns nos outros e com os olhos fechados começamos a rezar um “Pai Nosso”, até como uma forma de aliviar os nervos depois daquela cena tão fantasmagórica.
Aquilo foi um ataque, pensei na hora. Preciso abrir os olhos para ver o caminho de volta e sair dali o mais rápido possível. Para meu maior espanto, ao abrir os olhos, o que vi foi ainda mais espantoso. A luz agora era ainda maior e dava voltas em torno de nós, numa velocidade muito grande, como se fosse impedir nossa saída. Na hora, pensei que fosse desmaiar. Naldinho não suportando aquele suposto contato imediato de todos os graus, começou a gritar dizendo que a luz iria nos matar. Foi aí que o desespero foi total. Sem saber o caminho exato a ser tomado como saída de emergência, saímos os quatro correndo como loucos numa direção só. Apesar de deixar os instrumentos, documentos e roupas no local, conseguimos furar o cerco da bola de luz e, para nossa alegria, chegamos vivos na casa do senhor Milton, entramos no carro e fomos embora. Voltamos lá só no dia seguinte para pegar os instrumentos e prometemos não voltar lá nunca mais.