Acordei hoje cedo com um vizinho completamente
bêbado ouvindo, no último volume, Eric Clapton. Até aí tudo bem, eu até sou fã
das canções do incrível guitarrista britânico que já foi considerado o segundo
melhor do mundo. Mas para quem dormiu mal, acordar cedo com música não era
exatamente um problema. O problema mesmo era que o disco parecia estar furado.
A música “Cocaine”, um antigo sucesso de Clapton, de 1980, que faz referência a
cocaína, tocava repetidas vezes: “She don't lie, she don't lie, she don't
lie... Cocaine”. O agravante é que, além do som alto, o sujeito insistia em
acompanhar o refrão aos berros: “She don't lie, she don't lie, she don't lie...
Cocaine”. Como quem dominasse bem o inglês, mas que só pronunciava mesmo o
refrão da música.
Como sou novo no prédio e na verdade não conheço nem o síndico, quem sou eu pra tirar satisfações com o meu escandaloso vizinho? Resolvi levantei de boa mesmo com o som do refrão na cabeça. Fui pro banheiro e: “Cocaine”. Depois fui pra cozinha tomar meu café da manhã e: “Cocaine”. Sentei no sofá pra ver o que tinha de bom na TV, naquela manhã de domingo, e: “Cocaine”. Era “She don't lie, she don't lie, she don't lie... Cocaine” pra tudo quanto é lado.
Como sou novo no prédio e na verdade não conheço nem o síndico, quem sou eu pra tirar satisfações com o meu escandaloso vizinho? Resolvi levantei de boa mesmo com o som do refrão na cabeça. Fui pro banheiro e: “Cocaine”. Depois fui pra cozinha tomar meu café da manhã e: “Cocaine”. Sentei no sofá pra ver o que tinha de bom na TV, naquela manhã de domingo, e: “Cocaine”. Era “She don't lie, she don't lie, she don't lie... Cocaine” pra tudo quanto é lado.
Já tinha perdido as contas de quantas vezes “Cocaine”
havia tocado. Acho que o próprio Clapton não aguentaria, nem mesmo sob o forte
e devastador efeito do pó branco. Passei a me preocupar se realmente valeria a
pena pagar um aluguel caro para ter um vizinho doido. Pensei nas visitas que teria
em casa nos fins de semana e nos trabalhos que traria pra fazer em casa. Como
seria possível conciliar? Como solução para aquele momento seria dar uma saída,
uma volta, dar um tempo longe dali até o sujeito se curar da cachaça. Curtir
uma praia, pegar um sol, quem sabe?!
Peguei rapidamente uma camisa, a carteira com os
documentos do carro e saí correndo. Conforme fui descendo as escadas, o som ia
aumentando. E, antes mesmo de chegar ao andar de baixo, já acionei o controle
remoto do carro na intenção de destravar as portas, me jogar dentro do veículo
e sumi. Quando chego ao térreo, a figura do vizinho que tentava fazer o cover
de Clapton se materializa. Um sujeito magro, cabeludo, trajando uma bermuda
azul com estampas coloridas, descalço, sem camisa e gesticulando como se
estivesse tocando uma guitarra invisível. Tive a impressão que o sujeito iria
me agredir. Na hora foi um grande susto, mas antes mesmo deu expressar qualquer
reação, o cara olhou pra mim com os olhos arregalados e me fitou da cabeça aos
pés.
Pronto, só faltava essa. Minha pressão arterial
baixou e eu fiquei completamente assustado. Cumprimentei-o com um simples gesto
com a cabeça. Diante de tantos “She don't lie, she don't lie, she don't lie... “,
se eu falasse qualquer coisa, seria em vão. O som estava tão alto que para eu
entende-lo, ou vice-versa, teria que ser um bom leitor labial. Ele, num jeito
carinhoso, estirou sua mão para que eu a apertasse e sorriu. Fiz o mesmo. Ele
me segurou firme e me puxou até a sala do seu apartamento, onde tinha um som
Sony, desses bem grandes e potentes, com um imensos botões por toda parte.
Baixou o volume, olhou em direção da cozinha e gritou: “Mãe, não te falei, o
Frejat, do Barão Vermelho, tá morando no andar em cima do nosso”.

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