domingo, 16 de agosto de 2015

Fantasiado de torcedor



     Detesto futebol. Na verdade odeio. Nada contra quem gosta, mas eu, particularmente, não aguento ver ninguém se digladiando e correndo atrás de uma bola. Não acompanho campeonato de nada nem de ninguém, seja ele local, nacional, ou mesmo internacional. Às vezes, tento até fingir que gosto. Não para agradar, mas para ver se me permito contagiar e me acostumo com a ideia. Em vão! Cinco minutos depois, o papo, ou o jogo, ou ambos, se tornam insuportáveis.
     Hoje pela manhã, acordei cedo para ir ao mercado. Minha mãe veio passar o fim de semana conosco e fiquei encarregado de preparar o almoço. Precisava ser uma comidinha leve e que ela comesse bem. Levantei, fui ao banheiro e olhei as horas. Eram 6h10. Escovei os dentes, coloquei uma bermuda e abri a gaveta esticando a mão para pegar uma camisa. Sem enxergar direito, peguei a primeira da fila. A escolha foi uma camisa do Botafogo da Paraíba. Uma camisa que comprei para dar de presente e acabei ficando com ela por motivo de força maior. Não é uma camisa do padrão do time, mas é estilizada e tem a estrela vermelha - que distingue do Botafogo do Rio -, ao centro.
     A caminho do mercado, parei para abastecer. Desci da moto, tirei o capacete e fiquei à espera do atendimento. No local já havia alguns clientes. Não demorou muito e fui cercado por algumas pessoas que tomavam um cafezinho e conversavam entre si. Na maioria idosos. Um deles olhou para mim e, sorridente, disse: - Eita, logo mais vai ser pau! Disse-me isso com o entusiasmo necessário de quem tem intimidade e carregava a certeza que suas palavras me eram absurdamente compreensíveis. Fiz cara de que não entendi nada e, antes mesmo de dizer alguma coisa, fui questionado, por outro presente, se eu iria ao campo.
     Entendi tudo! A camisa me disfarçara de torcedor do Botafogo e isso os confundia. Putz!!! Só aí percebi que os caras também trajavam camisas de times que só invocando os deuses do Olimpo para saber quais eram.  Preparei-me para responder, mas já preocupado com a pergunta seguinte, caso ele não se contentasse com minha resposta.  E se a pergunta seguinte fosse difícil de responder e revelasse o meu disfarce de torcedor? Já com cara de mané, olhei em volta na esperança de ser salvo pelo funcionário do posto, quando fui bombardeado e atingido por mais uma pergunta: - Qual a colocação do Botafogo no campeonato brasileiro, sabe?
     Nossa! Isso foi desleal! Senti-me um judeu portando documentação alemã, falsa, e sendo interrogado por Hitler. Caso vacilasse em minha resposta, seria mandado para o campo de concentração para morrer numa câmara de gás ou levar um tiro, ali mesmo, a queima roupa. Pensei: Meu Deus, que coisa mais constrangedora vestir uma camisa de algo que você detesta: uma bexiga de um time de futebol.  A vontade foi de tirar a camisa e tocar fogo. Mas apesar da forte pressão do interrogatório resolvi revidar.
     - Senhores: vejam bem! – interrompi o desagradável interrogatório – Hoje é domingo, dia 16 de agosto de 2015. O país está atolado numa crise político-econômica. Logo mais milhares de pessoas estarão ocupando as ruas, manipulados por partidos políticos mesquinhos e mal intencionados, pedindo o impeachment da presidente Dilma, ou mesmo a volta dos militares ao poder, e os senhores estão me questionando sobre a atual situação do Botafogo no cenário nacional?  
     Pronto. Aquele foi um tiro de canhão e eu nem sabia que atirava tão bem. Acertou em cheio! Ninguém falou mais nada. Agora eram eles que estavam fantasiados de brasileiros e precisavam reagir enquanto eu esperava uma resposta que não veio. O silêncio foi quebrado pelo funcionário do posto que já com a bomba de gasolina na mão me perguntava. – Quanto?

- Enche a bola! – respondi. 

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